É fato que após a fase mais crítica da pandemia do Coronavírus, muita coisa mudou. Uma delas é a maneira de se planejar uma viagem e de se viajar, boa parte disto por conta das restrições que ainda existem, mas, vou falar aqui sobre uma opção bem acessível em alguns casos: Road trip.
Além disso, tendo em vista a recomendação de distanciamento social, uma das possibilidades mais seguras para viagens nacionais (e internacionais) são as de carro próprio (ou alugado), uma vez que os aviões e ônibus comportam muito mais pessoas e a contaminação fica mais propícia nestes casos, mesmo com a vacinação tendo reduzido o número de contaminações.
E aí…Você já pensou/considerou fazer uma viagem para longas distâncias de carro?
Para quem dirige, gosta de dirigir e/ou não tem tanta pressa para chegar aos lugares, essa é uma ótima pedida…pelo menos no meu ponto de vista.
Eu sempre fiz viagens relativamente curtas de carro (percursos menores, geralmente entre uma cidade e outra). Mas a última que fiz me deu uma das sensações mais empolgantes que já experimentei na vida..foi uma viagem de um Estado para outro (SP – Bahia), sendo eu mesma a única condutora.
Assim, confesso que eu cheguei a pensar que seria bem mais complicado, tendo em vista o longo trajeto a ser percorrido e minhas limitações físicas (por ter distrofia muscular e tendinite nos ombros, mesmo em um veículo adaptado, dirigir para mim é mais cansativo/desafiador).
Mas, como eu costumo dizer: para tudo na vida dá-se um jeito…eu estava pesquisando essa viagem (trajeto) desde 2018. Pensei: chegou a hora! e lá fui eu revisar as anotações/pesquisas.
Por fim, vou compartilhar contigo um pouco dessa que para mim foi uma das maiores conquistas realizadas em se tratando de viagens!
Qual foi a estratégia que adotei?
Evidentemente, você já deve ter percebido que mesmo para viagens relativamente curtas, consideradas mais rápidas, planejamento é muito importante (isso inclui itens de segurança, como seguro viagem), respeitando os limites dos viajantes, preferências, necessidades e características do (s) lugar (es) a ser (em) visitado (s).
Portanto, no meu caso, dirigir trechos “curtos”, com paradas de mais ou menos 30 minutos para descanso, abastecimento e alongamento foram pontos incluídos na estratégia.
- parada para pernoite – descansos mais prolongados em locais com hotéis com acessibilidade e estacionamento no local.
Assim, os locais para paradas mais prolongadas (para o trajeto percorrido: 2) foram pesquisados e reservados com antecedência, tendo sido entrado em contato com os mesmos e sinalizado as seguintes necessidades:
*acessibilidade, sendo especificado quarto com banheiro adaptado para cadeirante, estacionamento no local com vaga para cadeirante (como sou a condutora do carro, necessito de vaga acessível).
A seguir compartilho um pouco sobre as experiências nos hotéis, dando ênfase à acessibilidade (reservados via aplicativo de reserva de hospedagens):
Primeira parada (prolongada): Holiday Inn Belo Horizonte Savassi.
De fato, a primeira parada para descanso mais prolongado foi em um hotel em Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais.
Neste caso, fiz a reserva dois dias antes de pegar a estrada e imediatamente após a confirmação da reserva (via aplicativo), entrei em contato via mensagem para informar minhas necessidades de acessibilidade como hóspede que utiliza cadeira de rodas.
Recebi retorno do hotel com a confirmação de disponibilidade.
Infelizmente não consegui registrar via fotos os detalhes do quarto, banheiro e estacionamento, pois estava bem cansada e chegamos lá de madrugada, mas consegui algumas fotos do hotel em um aplicativo de reserva (com exceção da foto da plaquinha do quarto, essa eu mesma tirei).
Dicas sobre a minha estadia:
– Sinalização:
Placa na porta em braile e com símbolos de acessibilidade para pessoas com deficiência física e auditiva.
– Corredor:
Amplo, porém com carpete, o que dificulta a locomoção para a maioria das pessoas em cadeira de rodas.
– Quarto:
Amplo, com bom espaço para circulação em cadeira de rodas. O quarto onde fiquei também tem carpete no chão, o que para a maioria de usuários de cadeira de rodas atrapalha.
– Cama:
Muito baixa. Para quem precisa de ajuda de terceiros ou tem um nível menor de independência, a altura impacta diretamente, neste caso, negativamente.
– Banheiro:
Tomei banho sentada no vaso sanitário, pois sem espaço para transferência lateral à banqueta que disponibilizaram, ficou inviável o banho no espaço do chuveiro.
Lembrando que eu solicitei uma cadeira de banho e foi disponibilizado uma banqueta, o que não é, logicamente, a mesma coisa.
Por fim, a foto disponibilizada pelo hotel no site mostra uma cadeira de banho, à qual não tive acesso.
– Acesso ao vaso sanitário:
Bom espaço lateral para transferência (lembrando que nem toda pessoa em cadeira de rodas consegue se transferir frontalmente, por isso é extremamente importante que os projetos de acessibilidade contemplem o máximo de condições). Altura do vaso ok.
– Estacionamento:
Sem vaga demarcada disponível.
O manobrista (Lucas) foi muito solícito ao me auxiliar e viabilizar uma vaga que fosse um pouco mais acessível (mais próxima ao elevador e com espaço suficiente nas laterais e traseira para retirada da cadeira de rodas e meu desembarque e embarque), porém, de acordo com a LBI, que falarei abaixo:
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15), no capítulo X, artigo 47, temos a seguinte determinação (trecho abaixo na íntegra):
Art. 47: Em todas as áreas de estacionamento aberto ao público, de uso público ou privado de uso coletivo e em vias públicas, devem ser reservadas vagas próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, desde que devidamente identificados.
§ 1° As vagas a que se refere o caput deste artigo devem equivaler a 2% (dois por cento) do total, garantida, no mínimo, 1 (uma) vaga devidamente sinalizada e com as especificações de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes de acessibilidade.
Por que essa informação é importante?
Poderia listar vários pontos aqui, mas gostaria de trazer a seguinte pontuação: o processo para a obtenção de carteira de habilitação para a pessoa com deficiência, bem como para a aquisição de um carro adaptado é moroso, caro e complicado (para resumir).
Assim, eu espero minimamente, como condutora, chegar aos lugares e conseguir estacionar sem constrangimentos, sem preocupação se consigo ou não sair do meu carro, se dá para retirar minha cadeira de rodas, etc.
A lei vem com o objetivo de tentar nos garantir o mínimo de condições de exercemos nossos direitos com dignidade.
Claro, receber auxílio é muito bem-vindo quando mesmo com a acessibilidade prevista este auxílio seja necessário.
Entretanto, ir e vir deveria ser hoje em dia mais um prazer do que um processo cansativo e frustrante.
Além disso, ao chegarmos em um local que se denomina como acessível e encontrarmos vários pontos não acessíveis nos deparamos com uma negação aos nossos direitos.
Sem contar com a questão socioeconômica envolvida (se eu sou uma pessoa economicamente ativa, tenho potencial de consumo).
Locais acessíveis acabam sendo um diferencial no mercado.
À propósito, aqui no blog tem um artigo onde você encontra os itens que um local precisa ter para ser considerado acessível. Para lê-lo, clique aqui.
Segunda parada Road trip: IBIS Montes Claros:
Passei a segunda noite da viagem em uma cidade chamada Montes Claros, também no Estado de Minas Gerais.
Fiz a reserva no dia anterior e logo após a reserva (via aplicativo) entrei em contato com o hotel, para sinalizar a necessidade de acessibilidade, o qual me retornou com a confirmação de disponibilidade.
Como nesta segunda etapa da viagem eu estava um pouco mais descansada, consegui registrar em fotos alguns detalhes, os quais compartilho a seguir:
– Estacionamento:
Na frente do hotel tem uma vaga demarcada para pcd*. Observação para a descrição na placa: pessoa portadora de deficiência ambulatória. Acredito que a intenção era colocar a palavra: deambulatória. Em todo caso, a terminologia a ser utilizada é pcd: pessoa com deficiência. Veja mais sobre terminologia aqui.
– Corredor (dentro do quarto):
Bom espaço, com piso sem carpete.
– Cama:
Altura e espaço para aproximação ok.
– Banheiro:
Amplo, porta de correr, altura do vaso, tomadas e pia ok. Acionador torneira ok.
– Local para o banho:
Sem espaço para aproximação lateral, o que dificulta/impossibilita o acesso de pessoas com deficiência que fazem transferência apenas lateral e/ou precisam de ajuda de terceiros. No meu caso, tomei banho sentada no vaso, utilizando o chuveirinho, pois preciso do espaço lateral para transferência.
Principais detalhes observados:
Esses foram os principais detalhes que consegui registrar/observar, pensando em compartilhar com o máximo de pessoas que dependem ou se interessam pelo assunto: acessibilidade/inclusão em serviços, o que abrange todos os tipos, incluindo o hoteleiro, pois ele é um dos muitos que compõe a área de lazer e, consequentemente, econômica das cidades e Estados.
Considerações finais:
Como vocês puderam observar, são vários fatores a se considerar em uma road trip e, no caso de viagens com pessoas que necessitam “diretamente” de acessibilidade, ela é o item que vem em primeiríssimo lugar.
Lembrando que temos uma variedade de tipos de deficiência, e como meu tempo era curto e não se tratava de uma consultoria, meu foco foi na acessibilidade para pessoas com deficiência física, embora a mesma seja muito importante também para os demais tipos de deficiência (para um aprofundamento neste tema, clique aqui).
Faltam mais opções de locais com acessibilidade/preparo para recepcionar esse tipo de cliente?
Faltam…mas isso não é nem pode ser um impeditivo (eu sou prova disso, certo?).
Em suma, quanto mais nós, clientes com deficiência ou profissionais que se preocupam com a inclusão ou que entendem a imensa vantagem competitiva que a acessibilidade proporciona, nos dispormos à trazer à tona a importância do tema, mais vamos diminuindo essa falta.
À minha querida mãe:
Antes de finalizar este artigo, deixo aqui registrado meu muito obrigada à minha parceira nesta e em tantas outras viagens: minha mamis.
Quantas mães, pais, irmãs (os), amigos, companheiros (as) não compartilham e enfrentam com a pessoa com deficiência os desafios de um mundo que ainda não se adaptou?... nosso amor incondicional à vocês!
Abaixo um registro de um dos muitos alongamentos que mamis fez em mim durante a road trip (sim, o céu é o limite! ou, no caso de roads trips, seria: a rodovia é o limite? rsrs).
Se este artigo te ajudou, me conta nos comentários ou compartilha nas suas redes sociais e/ou com seus amigos/familiares, assim você contribui com o projeto para mais e mais pessoas viajarem com acessibilidade pelo Brasil e pelo mundo!
Um abraço! Nos vemos por aí…